Desfiz-me, ainda que por alguns instantes, desfiz-me
de mim e me fiz alheia, me fiz outrora, me fiz verão, sem medo, me fiz toda
lembrança, toda uma, toda ninguém! Reuni, então, todos os pedaços que me
pareciam pendentes e presos nas angustias do meu ser, juntei cada saudade com
lembrança, cada medo com angústia, cada resquício de alegria com sonho de um
futuro; sai pela casa juntando bilhetes, recolhendo fotos com sorrisos longos, e
presentes tão alheios quanto eu! Tentei, ainda que no turbilhão da rua, me
fazer estéril dos sentimentos e jogá-los ou fazê-los despencar, do nono andar!
Inútil! Apegar-se aos detalhes é fazer deles mais do que lembranças e, por
assim o ser, deixá-los ir é me deixar ir também, posto que eles me fazem ser
quem sou. Como posso, então, tratá-los como objetos e me tratar como quem os
porta? Como se fosse a aliança que uniu o desapego com a angústia? Como posso
eu, atirar e tirar de mim um pedaço que outrora fora tão bonito? Talvez esse
apego seja mais bonito nas palavras do que nos traços e nos gestos, então me
retifico: livro-me de todos os bilhetinhos, atiro todas as uniões instáveis,
apago todas as fotos, porque os melhores momentos eu guardei na retina.